migalhas de pão

Será que eu encontro o caminho de volta?

19.6.05

momentos II

Olhava a prateleira de tintas guardadas, caixinha de penas onde sabia estarem todas limpas dentro dela, os papeis, o mata-borrão, as coisas todas guardadas atrás da porta de vidro. Do outro lado a tipografia toda - e como ela ocupa espaço - também parada. Tudo parado e é nesse momento que sinto falta da casa de minha mãe. Onde me ocupava com os estudos, estudos sempre nos ocupam tempo, e onde quando não tinha mais estudos para me ocupar tempo tinha grandes amigos que também me ocupavam tempo.
Depois que vim para São Paulo não tenho amigos, ao menos não grandes amigos. Ah sim, nisso eu me esqueço do Godão, da Alface, do Tomate, das minhas penas, dos meus tipos, das minhas tintas, mas eu precisava amigos humanos também. Mas também não da maneira que os tinha na adolescencia. Me alegro de tê-los abandonado. Amigos que se faziam amigos pela necessidade de ter amigos, e de se firmar como uma pessoa que é amada (embora não seja), mas que não entendem nossas dores, que não entendem nosso amores.
Ainda não conheci alguem que entendesse minha forma de amar.
Ah, e eu amo tanto! Amo com o mais profundo ser da minha alma os outros simplesmente por eles serem; eles estarem; eles existirem.
E de outra forma amei alguem. Alguem que me fez deixar de existir sem esse alguem. Mas esse foi embora. É assado. Era alguem que não era para ser amado.
Nesses momentos que não ocupo meu tempo com o trabalho, ocupo meu tempo com minhas complicações. Com o abandono da faculdade. Com o medo infantil de meus pais descobrirem - ah e certamente terá um momento em que eles vão em descobrir - desse meu abandono. De precisar que não saibam do abandono para continuar sendo sustentada, enquanto existem esses momentos em que as penas descansam.
Acho que eu devia ocupar meu tempo para não pensar.
Vou parar com esse blablabla e ler um livro.

10.6.05

9.6.05

momentos I

Eu não gosto dos fins de tarde.
Nunca gostei.
E aqui no meu canto os fins de tarde chagam mais cedo graças aos dois andares de rodovia em frente ao meu prédio que um dia já foi luxuoso.
De repente o chão fica mais frio. e a luz vai embora. Os Gatos acordam, se tornam mais agitados nesses fins de tarde. O trânsito começa a parar. O ar se polui mais. Fico triste pelos que estão presos no não fluxo.
Fico triste pelos que estão no não fluxo. Fico triste pelos meus vizinhos papeleiros que tem suas casas mais um dia esfumaçadas. Fico triste pelos cachorros que se incomodam com o barulho. E ficando triste assim começo a ficar trite também pelo mundo. Fico triste pelos que passam fome, sede, necessidades. Fico triste pelos que passam necessidade de amor. Fico triste pelos que não tem pais. Fico triste pelos que tem pais ruins. Fico triste pelos que tem pais que tentam não ser ruins e no melhor dos esforços não conseguem. Fico triste pela criança que não pode comer o doce de morango bonito da padaria. Fico trite pela floresta amazônca sendo destruida. Fico triste pela formação do buraco na camada de ozônio. Fico triste pelo drama no iraque. Fico triste pelos mortos no 11 de setembro. Fico triste pelos aidéticos na África. Fico triste pela praga dos coelhos na Austrália. Fico triste pelo risco de extinção dos pandas. Fico triste pela extinção dos dinossauros.
E de repente... quando esse momento passa, esse fim de tarde que faz as coisas terminaram, sinto o perfume mágico da noite que chega. Que renova, que une as famílias e os amantes, e eu e meus gatos. Deito com eles. E fico feliz de sentir o Tomate deitar sobre os meus ombros.

3.6.05

Minhas diversões I

Pois é. Eu gosto. Na verdade sempre gostei desde a primeira vez que vi.
As vezez me imagino lá, sentada numa das pontas. Uma mini-eu. Ou até deitada, me embalando no balanço gostoso que deve fazer.
As vezes me imagino assustada, será que é um barco viking? E caminho ao quase centro onde fica o cabo torneado. E abraço-o, minhas pernas se desgrudam do chão com o brusco movimento.
As vezes não. As vezes só gosto de olhar. Vem lá, vem cá, vem lá, chpa, absorve.

Maravilhas dos meu felinos I

Godão derrubou o sumiê.

Foi assim. Estavam todas as coisas preparadas sobre a escrivaninha. Eu gosto de ser metódica e prepará-las. Ali é o lugar da tinta; ali o estojo de penas, ali é é o canto do godê de cerâmica onde deixo um pouco d'água (é eu sei não se usa a água, pois bem eu uso!) uma pilha com os envelopes que fica exatamente ali; e bem ali a lista dos nomes dos convidados; um pedaço de mata borrão um pouco já usado onde deixo a tinta as vezes acumulada escorrer na pena fica ali, bem pertinho da minha mão direita; e ali sabe, do lado do godê (na verdade é um vidro já usado da sheaffer, gosto daquele dopositozinho que ele tem) fica o mata borrão (ai ai, é tão legal brincar de balanço com ele) .

Tudo arrumado fui tomar a tradicional taça de vinho de antes de começar o trabalho.

Ouvi um miado em vibrato. Voltei.

Pegadas de patinha caminhavam do fio negro que escorria da mesa até o rack do computador, que agachando pude encontrar os bigodes brancos tremendo, e uma acusatória mancha negra escorrendo ao lado da orelha.

Verifiquei o estrago. Os envelopes não se salvaram, o mata borrão não se salvou, o vidro que uso de godê estilhaçou no chão.

Abaixei de novo e tentei tirar Godão do esconderijo. Os músculos se contraiam mais do que eu podia aguentar. Os outros olhavam-no num quase rindo irônico esperando a bronca que eu não tive coragem de dar.

Tão nervoso ele estava, que o que eu fiz foi começar a limpar o prejuizo. Aproveitei com um papel filtro, para recolher as patinhas acusatórias impressas no chão.

Godão ainda não saiu de lá de baixo. Os outros já se esqueceram do ocorrido.
E eu deixei o celular desligado com medo da cliente me cobrar a encomenda que precisa ficar pronta hoje a tarde.